quarta-feira, 17 de julho de 2013

LEI N.° 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965 – CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE

LEI N.° 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965 – CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE
Art. 1° O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.
Art. 2° O direito de representação será exercido por meio de petição:
a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção;
b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.
Parágrafo único. A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de 3, se as houver.
Art. 3°. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado (não admite forma culposa):
OBS.: Punido somente na forma dolosa. É necessária a finalidade específica de abusar, ou seja, a vontade deliberada de agir com abuso. A autoridade deve estar consciente de que está abusando. Portanto, se a autoridade na justa intenção de cumprir seu dever ou de proteger interesse público acaba se excedendo haverá ilegalidade no ato, porém não haverá abuso de autoridade, por falta da finalidade específica de abusar.
a) à liberdade de locomoção;
OBS.: São exceções a prisão em flagrante delito, prisão por ordem escrita da autoridade competente, prisão administrativa domiciliar.
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
OBS.: Essa liberdade não é ilimitada, podendo ser restringida pela autoridade quando atentar contra a moral ou colocar em risco a ordem pública.
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
OBS.: Exceções: com finalidade bélica; com finalidade ilícita; em locais proibidos; com membros armados; sem aviso prévio à autoridade competente.
OBS.: A reunião é um agrupamento voluntário de pessoas, sem caráter de permanência ou estabilidade, em um determinado lugar, onde se discute um assunto qualquer, dissolvendo-se o grupo logo após. É transitória. A associação, no entanto, é a reunião estável e permanente de várias pessoas, para a consecução de um fim determinado ou para o desempenho de certa atividade. É permanente.
i)                     à incolumidade física do indivíduo;
OBS.: Quando a autoridade, além de atuar com abuso de autoridade, vier a causar lesões corporais à vítima, responderá por ambos os delitos, em concurso material. Se, além da prática do abuso de autoridade, ocorrer tortura, o agente responderá pelo delito de tortura apenas, aplicando-se o princípio da especialidade (doutrina). O Cespe adota o posicionamento dos Tribunais Superiores: “Há concurso de crimes de abuso de autoridade e de tortura se, em um mesmo contexto, mas com desígnios autônomos, dois agentes torturam preso para que ele confesse a autoria de delito e, em seguida, o exibem, sem autorização, para as redes de televisão como suposto autor confesso do crime (Escrivão AL – CESPE/2012)”.
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
OBS.: Trata-se de norma penal em branco, pois necessita de complemento a fim de que se enumerem os direitos e garantias para o exercício da profissão.
Art. 4° Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
OBS.: Não é permitida a prisão para a averiguação no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, a detenção momentânea pode ocorrer pelo tempo necessário para o esclarecimento de uma justificável situação de dúvida.
 b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; (omissivo próprio)
OBS.: “Imediatamente” – primeiro momento possível. A comunicação tardia, injustificadamente, configura abuso de autoridade. A comunicação deve ser ao juiz competente. Se a autoridade, propositalmente, comunica a juiz incompetente, para que a apreciação da prisão pelo Poder Judiciário seja retardada haverá abuso de autoridade. Esse crime só é punido na forma dolosa. Se a autoridade esquece por negligência, de comunicar, não há abuso de autoridade.
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada (crime de mão-própria - omissivo próprio);
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; (omissivo próprio)
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (omissivo próprio)
OBS.: Crime de exegese – praticado por magistrado no exercício da sua função jurisdicional. Quando suas decisões destoam completamente da lei ou do direito. STF/STJ – o magistrado não pode ser censurado criminalmente pela prática de atos jurisdicionais. Ele tem liberdade de convicção jurídica e discricionariedade para decidir.
Concurso de Crimes: Entre abuso de autoridade  e lesão corporal (STF n.º HC 91.912);  abuso de autoridade e violação de domicílio (STJ HC n.º 81.752);  abuso de autoridade e crimes contra a honra (STJ REsp n.º 684.532).
Art. 5° Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
OBS.: Particular pode praticar crime de abuso de autoridade em concurso com a autoridade, desde que saiba dessa qualidade.
OBS.: Funcionário demitido, exonerado, aposentado não pode cometer abuso de autoridade, já que não é mais detentor de autoridade. Não pode abusar do que não tem mais. Pessoas que exercem múnus público não são consideradas autoridades públicas, portanto, não são sujeitos ativos desse crime.
Art. 6° O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal.
§1° A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de 5 a 180 dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
§2° A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.
§3° A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do CP e consistirá em:
a)       multa de cem a cinco mil cruzeiros;
OBS.: Esta pena de detenção NÃO pode ser substituída por multa porque ela está cumulada com multa em lei especial (aplicação da súmula 171 do STJ).
b) detenção por dez dias a seis meses;
OBS.: A pena máxima prevista para esses crimes é de 6 meses. Então, a competência é dos Juizados Especiais Criminais, estaduais ou federais, dependendo do caso. Em regra, é da justiça estadual, será, no entanto, do Juizado Especial Federal se atingir bens, interesses ou serviços da União. Nesse sentido, é imperioso destacar o enunciado da súmula n.° 172 do STJ, qual seja, compete à Justiça Federal processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço. Por outro lado, no crime de abuso de autoridade conexo com crime militar haverá a separação dos processos (STF HC n.º 92.912).
OBS.: A pena abstratamente prevista para o crime de Abuso de Autoridade é de detenção, de 10 (dez) dias a 6 (seis) meses, e multa (art. 6 § 3.º da Lei4898/65). Aplicam-se aos crimes previstos na Lei 4898/65 as regras gerais de rescrição, assim sendo, o lapso prescricional é de 02 (dois) anos (art. 109, VI, do CP). III-No caso, sendo o suscitado abuso de autoridade datado de 23/06/98, ou seja passados mais de 2 anos do fato e inexistindo qualquer causa interruptiva da prescrição, pois em trâmite ainda o inquérito, é de se declarar a extinção da punibilidade pela prescrição (art. 107, IV, do CP), ficando inutilizado o Inquérito, em face da ausência de justa causa para o exercício da Ação Penal (TRF2 - INQ n.º 69 98.02.47875-0).
OBS.: Trata-se de habeas corpus em que o paciente afirma ser incompetente a Justiça Federal para processar o feito em que é acusado pelo crime de abuso de autoridade. Na espécie, após se identificar como delegado de Polícia Federal, ele teria exigido os prontuários de atendimento médico, os quais foram negados pela chefe plantonista do hospital, vindo, então, a agredi-la. A Turma, por maioria, entendeu que, no caso, não compete à Justiça Federal o processo e julgamento do referido crime, pois interpretou restritivamente o art. 109, IV, da CF/1988. A simples condição funcional de agente não implica que o crime por ele praticado tenha índole federal, se não comprometidos bens, serviços ou interesses da União e de suas autarquias públicas (HC n.º 102.049).
b)       perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3 anos.
OBS.: A perda do cargo e a inabilitação são penas e não efeito automático da condenação no crime de abuso de autoridade, que podem ser aplicadas ou não pelo juiz. Capes, tem entendimento isolado de que é efeito automático da condenação.
§4° As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
§5° Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de 1 a 5 anos.
OBS.: Para Nucci essa sanção pode ser aplicada como pena autônoma ou acessória. Contudo, pena acessória não existe mais no direito brasileiro, ela foi extinta com a reforma da parte geral do Código Penal, em 1984. Portanto, esta sanção deve ser aplicada como pena autônoma, isolada ou cumulativamente. Já Capez entende que essa 4ª sanção não pode mais ser aplicada porque foram extintas as penas acessórias no direito brasileiro.
Art. 7° recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar competente determinará a instauração de inquérito para apurar o fato.
§1° O inquérito administrativo obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais ou federais, civis ou militares, que estabeleçam o respectivo processo.
§2° Não existindo no município no Estado ou na legislação militar normas reguladoras do inquérito administrativo serão aplicadas supletivamente, as disposições dos arts. 219 a 225 da Lei n° 1.711/1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).
§3° O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação penal ou civil.
Art. 8° A sanção aplicada será anotada na ficha funcional da autoridade civil ou militar.
Art. 9° Simultaneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá ser promovida pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal, ou ambas, da autoridade culpada.
Art. 11. À ação civil serão aplicáveis as normas do Código de Processo Civil.
Art. 12. A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou justificação por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.
OBS.: Os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada. A representação mencionada no art. 12 não é aquela condição de procedibilidade do CPP, e sim apenas o direito de petição contra o abuso de poder previsto no art. 5°, XXXIV, “a”, da Constituição. 
Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a representação da vítima, aquele, no prazo de 48 horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem assim, a designação de audiência de instrução e julgamento.
§1° A denúncia do Ministério Público será apresentada em duas vias.
Art. 14. Se a ato ou fato constitutivo do abuso de autoridade houver deixado vestígios o ofendido ou o acusado poderá:
a) promover a comprovação da existência de tais vestígios, por meio de 2 testemunhas qualificadas;
b) requerer ao Juiz, até 72 horas antes da audiência de instrução e julgamento, a designação de um perito para fazer as verificações necessárias.
§1° O perito ou as testemunhas farão o seu relatório e prestarão seus depoimentos verbalmente, ou o apresentarão por escrito, querendo, na audiência de instrução e julgamento.
§2° No caso previsto na letra “a” deste artigo a representação poderá conter a indicação de mais 2 testemunhas.
Art. 15. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento da representação, o Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa da representação ao Procurador-Geral e este oferecerá a denúncia, ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no arquivamento, ao qual só então deverá o Juiz atender.
Art. 16. Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo fixado nesta lei, será admitida ação privada. O órgão do Ministério Público poderá, porém, aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva e intervir em todos os termos do processo, interpor recursos e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Art. 17. Recebidos os autos, o Juiz, dentro do prazo de 48 horas, proferirá despacho, recebendo ou rejeitando a denúncia.
§1° No despacho em que receber a denúncia, o Juiz designará, desde logo, dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, que deverá ser realizada, improrrogavelmente dentro de 5 dias.
§2° A citação do réu para se ver processar, até julgamento final e para comparecer à audiência de instrução e julgamento, será feita por mandado sucinto que, será acompanhado da segunda via da representação e da denúncia.
Art. 18. As testemunhas de acusação e defesa poderão ser apresentada em juízo, independentemente de intimação.
Parágrafo único. Não serão deferidos pedidos de precatória para a audiência ou a intimação de testemunhas ou, salvo o caso previsto no artigo 14, letra "b", requerimentos para a realização de diligências, perícias ou exames, a não ser que o Juiz, em despacho motivado, considere indispensáveis tais providências.
Art. 19. A hora marcada, o Juiz mandará que o porteiro dos auditórios ou o oficial de justiça declare aberta a audiência, apregoando em seguida o réu, as testemunhas, o perito, o representante do Ministério Público ou o advogado que tenha subscrito a queixa e o advogado ou defensor do réu.
Parágrafo único. A audiência somente deixará de realizar-se se ausente o Juiz.
Art. 20. Se até meia hora depois da hora marcada o Juiz não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de termos de audiência.
Art. 21. A audiência de instrução e julgamento será pública, se contrariamente não dispuser o Juiz, e realizar-se-á em dia útil, entre 10 e 18 horas, na sede do Juízo ou, excepcionalmente, no local que o Juiz designar.
Art. 22. Aberta a audiência o Juiz fará a qualificação e o interrogatório do réu, se estiver presente.
Parágrafo único. Não comparecendo o réu nem seu advogado, o Juiz nomeará imediatamente defensor para funcionar na audiência e nos ulteriores termos do processo.
Art. 23. Depois de ouvidas as testemunhas e o perito, o Juiz dará a palavra sucessivamente, ao Ministério Público ou ao advogado que houver subscrito a queixa e ao advogado ou defensor do réu, pelo prazo de 15 minutos para cada um, prorrogável por mais 10, a critério do Juiz.
Art. 24. Encerrado o debate, o Juiz proferirá imediatamente a sentença.
Art. 25. Do ocorrido na audiência o escrivão lavrará no livro próprio, ditado pelo Juiz, termo que conterá, em resumo, os depoimentos e as alegações da acusação e da defesa, os requerimentos e, por extenso, os despachos e a sentença.
Art. 26. Subscreverão o termo o Juiz, o representante do Ministério Público ou o advogado que houver subscrito a queixa, o advogado ou defensor do réu e o escrivão.
Art. 27. Nas comarcas onde os meios de transporte forem difíceis e não permitirem a observância dos prazos fixados nesta lei, o juiz poderá aumentá-las, sempre motivadamente, até o dobro.
Art. 28. Nos casos omissos, serão aplicáveis as normas do CPP, sempre que compatíveis com o sistema de instrução e julgamento regulado por esta lei.
Parágrafo único. Das decisões, despachos e sentenças, caberão os recursos e apelações previstas no Código de Processo Penal.