LEI N.° 4.898, DE 9
DE DEZEMBRO DE 1965 –
CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE
Art. 1° O direito de representação e o processo
de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no
exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.
Art. 2° O direito de representação será exercido
por meio de petição:
a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à
autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção;
b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.
Parágrafo único. A representação será feita em
duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade,
com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de
testemunhas, no máximo de 3, se as houver.
Art. 3°. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado (não
admite forma culposa):
OBS.: Punido somente na forma dolosa. É necessária a finalidade específica de
abusar, ou seja, a vontade deliberada de agir com abuso. A autoridade deve
estar consciente de que está abusando. Portanto, se a autoridade na justa
intenção de cumprir seu dever ou de proteger interesse público acaba se
excedendo haverá ilegalidade no ato, porém não haverá abuso de autoridade, por
falta da finalidade específica de abusar.
a) à liberdade de locomoção;
OBS.: São exceções a prisão em flagrante delito, prisão por ordem escrita da
autoridade competente, prisão administrativa domiciliar.
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
OBS.: Essa liberdade não é ilimitada,
podendo ser restringida pela autoridade quando atentar contra a moral ou
colocar em risco a ordem pública.
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao
exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
OBS.: Exceções: com finalidade bélica;
com finalidade ilícita; em locais proibidos; com membros armados; sem aviso
prévio à autoridade competente.
OBS.: A reunião é um agrupamento voluntário de pessoas, sem caráter de
permanência ou estabilidade, em um determinado lugar, onde se discute um
assunto qualquer, dissolvendo-se o grupo logo após. É transitória. A associação, no entanto, é a reunião
estável e permanente de várias pessoas, para a consecução de um fim determinado
ou para o desempenho de certa atividade. É permanente.
i)
à incolumidade física do indivíduo;
OBS.: Quando a autoridade, além de atuar
com abuso de autoridade, vier a causar lesões corporais à vítima, responderá
por ambos os delitos, em concurso
material. Se, além da prática do abuso de autoridade, ocorrer tortura, o agente responderá pelo delito de tortura apenas, aplicando-se
o princípio da especialidade (doutrina).
O Cespe adota o posicionamento dos Tribunais Superiores: “Há concurso de crimes
de abuso de autoridade e de tortura se, em um mesmo contexto, mas com desígnios
autônomos, dois agentes torturam preso para que ele confesse a autoria de
delito e, em seguida, o exibem, sem autorização, para as redes de televisão
como suposto autor confesso do crime (Escrivão AL – CESPE/2012)”.
OBS.: Trata-se de norma penal em branco,
pois necessita de complemento a fim de que se enumerem os direitos e garantias
para o exercício da profissão.
Art. 4° Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da
liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
OBS.: Não é permitida a prisão para a
averiguação no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, a detenção
momentânea pode ocorrer pelo tempo necessário para o esclarecimento de uma
justificável situação de dúvida.
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar
de comunicar, imediatamente, ao juiz
competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; (omissivo
próprio)
OBS.: “Imediatamente” – primeiro momento possível. A comunicação tardia,
injustificadamente, configura abuso de autoridade. A comunicação deve ser ao
juiz competente. Se a autoridade, propositalmente, comunica a juiz
incompetente, para que a apreciação da prisão pelo Poder Judiciário seja retardada
haverá abuso de autoridade. Esse crime só é punido na forma dolosa. Se a
autoridade esquece por negligência, de comunicar, não há abuso de autoridade.
d) deixar
o Juiz de ordenar o relaxamento de
prisão ou detenção ilegal que lhe
seja comunicada (crime de mão-própria - omissivo próprio);
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial
carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança
não tenha apoio em lei, quer
quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar
o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas,
emolumentos ou de qualquer outra despesa; (omissivo próprio)
h) o ato
lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica,
quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência
legal;
i) prolongar
a execução de prisão temporária, de
pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de
cumprir imediatamente ordem de liberdade. (omissivo próprio)
OBS.: Crime de exegese –
praticado por magistrado no exercício da sua função jurisdicional. Quando suas
decisões destoam completamente da lei ou do direito. STF/STJ – o magistrado não
pode ser censurado criminalmente pela prática de atos jurisdicionais. Ele tem
liberdade de convicção jurídica e discricionariedade para decidir.
Concurso de Crimes: Entre abuso de autoridade e lesão corporal (STF n.º HC 91.912); abuso de autoridade e violação de domicílio (STJ
HC n.º 81.752); abuso de autoridade e
crimes contra a honra (STJ REsp n.º 684.532).
Art. 5° Considera-se autoridade, para os efeitos
desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente
e sem remuneração.
OBS.: Particular pode praticar crime de
abuso de autoridade em concurso com a autoridade, desde que saiba dessa
qualidade.
OBS.: Funcionário demitido,
exonerado, aposentado não pode cometer abuso de autoridade, já que não é mais
detentor de autoridade. Não pode abusar do que não tem mais. Pessoas que
exercem múnus público não são consideradas autoridades públicas, portanto, não
são sujeitos ativos desse crime.
Art. 6° O abuso de autoridade sujeitará o seu
autor à sanção administrativa, civil e penal.
§1° A sanção
administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e
consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão
do cargo, função ou posto por prazo de 5
a 180 dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição
de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
§2° A sanção
civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no
pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.
§3° A sanção
penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do CP e
consistirá em:
a)
multa
de cem a cinco mil cruzeiros;
OBS.: Esta pena de detenção NÃO pode ser substituída por multa porque ela está
cumulada com multa em lei especial (aplicação da súmula 171 do STJ).
b) detenção
por dez dias a seis meses;
OBS.: A pena máxima
prevista para esses crimes é de 6 meses. Então, a competência é dos Juizados
Especiais Criminais, estaduais ou federais, dependendo do caso. Em regra, é da
justiça estadual, será, no entanto, do Juizado Especial Federal se atingir
bens, interesses ou serviços da União. Nesse sentido, é imperioso destacar o
enunciado da súmula n.° 172 do STJ, qual seja, compete à Justiça Federal processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço. Por outro lado, no
crime de abuso de autoridade conexo com crime militar haverá a separação dos
processos (STF HC n.º 92.912).
OBS.:
A pena abstratamente prevista para o
crime de Abuso de Autoridade é de detenção, de 10 (dez) dias a 6 (seis) meses,
e multa (art. 6 § 3.º da Lei4898/65).
Aplicam-se aos crimes previstos na Lei 4898/65 as regras gerais de rescrição, assim
sendo, o lapso prescricional é de 02 (dois) anos (art. 109, VI, do CP). III-No caso, sendo o suscitado abuso
de autoridade datado de 23/06/98, ou seja passados mais de 2 anos do fato e inexistindo
qualquer causa interruptiva da prescrição, pois em trâmite ainda o inquérito, é
de se declarar a extinção da punibilidade pela prescrição (art. 107, IV, do CP), ficando inutilizado o Inquérito, em
face da ausência de justa causa para o exercício da Ação Penal (TRF2 - INQ n.º 69
98.02.47875-0).
OBS.: Trata-se de habeas corpus em que o paciente afirma ser incompetente a
Justiça Federal para processar o feito em que é acusado pelo crime de abuso de
autoridade. Na espécie, após se identificar como delegado de Polícia Federal, ele teria exigido os prontuários de
atendimento médico, os quais foram negados pela chefe plantonista do hospital,
vindo, então, a agredi-la. A Turma, por maioria, entendeu que, no caso, não compete à Justiça Federal o
processo e julgamento do referido crime, pois interpretou restritivamente o
art. 109, IV, da CF/1988. A simples
condição funcional de agente não implica que o crime por ele praticado tenha
índole federal, se não comprometidos bens, serviços ou interesses da União e de
suas autarquias públicas (HC n.º 102.049).
b)
perda
do cargo e a inabilitação para o
exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3 anos.
OBS.: A perda do cargo e a inabilitação são penas e não efeito automático da
condenação no crime de abuso de autoridade, que podem ser aplicadas ou não pelo
juiz. Capes, tem entendimento isolado de que é efeito automático da condenação.
§4° As penas previstas no parágrafo anterior
poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
§5° Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar,
de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória,
de não poder o acusado exercer funções
de natureza policial ou militar no município
da culpa, por prazo de 1 a 5 anos.
OBS.: Para Nucci essa sanção pode ser aplicada como pena autônoma ou acessória.
Contudo, pena acessória não existe mais no direito brasileiro, ela foi extinta
com a reforma da parte geral do Código Penal, em 1984. Portanto, esta sanção
deve ser aplicada como pena autônoma, isolada ou cumulativamente. Já Capez
entende que essa 4ª sanção não pode mais ser aplicada porque foram extintas as
penas acessórias no direito brasileiro.
Art. 7° recebida a representação em que for
solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar
competente determinará a instauração de inquérito para apurar o fato.
§1° O inquérito administrativo obedecerá às
normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais ou federais, civis ou
militares, que estabeleçam o respectivo processo.
§2° Não existindo no município no Estado ou na
legislação militar normas reguladoras do inquérito administrativo serão
aplicadas supletivamente, as disposições dos arts. 219 a 225 da Lei n° 1.711/1952
(Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).
§3° O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação penal ou
civil.
Art. 8° A sanção aplicada será anotada na ficha funcional da autoridade civil ou militar.
Art. 9° Simultaneamente com a representação
dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá ser
promovida pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal, ou ambas, da
autoridade culpada.
Art. 11. À ação civil serão aplicáveis as normas
do Código de Processo Civil.
Art. 12. A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou justificação por denúncia do Ministério
Público, instruída com a representação
da vítima do abuso.
OBS.: Os crimes de abuso de autoridade são de ação
penal pública incondicionada.
A representação mencionada no art. 12 não é aquela condição de procedibilidade
do CPP, e sim apenas o direito de
petição contra o abuso de poder previsto no art. 5°, XXXIV, “a”, da Constituição.
Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a
representação da vítima, aquele, no prazo de 48 horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua
abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem assim, a
designação de audiência de instrução e julgamento.
§1° A denúncia do Ministério Público será
apresentada em duas vias.
Art. 14. Se a ato ou fato constitutivo do abuso
de autoridade houver deixado vestígios
o ofendido ou o acusado poderá:
a) promover a comprovação da existência de tais
vestígios, por meio de 2 testemunhas
qualificadas;
b) requerer ao Juiz, até 72 horas antes da audiência de instrução e julgamento, a designação
de um perito para fazer as
verificações necessárias.
§1° O perito ou as testemunhas farão o seu
relatório e prestarão seus depoimentos verbalmente, ou o apresentarão por
escrito, querendo, na audiência de instrução e julgamento.
§2° No caso previsto na letra “a” deste artigo a
representação poderá conter a indicação de mais
2 testemunhas.
Art. 15. Se o órgão do Ministério Público, ao
invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento da representação, o
Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa da
representação ao Procurador-Geral e este oferecerá a denúncia, ou designará
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no arquivamento,
ao qual só então deverá o Juiz atender.
Art. 16. Se o órgão do Ministério Público não
oferecer a denúncia no prazo fixado nesta lei, será admitida ação privada. O órgão do Ministério Público poderá,
porém, aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva e intervir
em todos os termos do processo, interpor recursos e, a todo tempo, no caso de
negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Art. 17. Recebidos os autos, o Juiz, dentro do
prazo de 48 horas, proferirá
despacho, recebendo ou rejeitando a denúncia.
§1° No despacho em que receber a denúncia, o Juiz
designará, desde logo, dia e hora para a audiência
de instrução e julgamento, que deverá ser realizada, improrrogavelmente dentro
de 5 dias.
§2° A citação
do réu para se ver processar, até julgamento final e para comparecer à
audiência de instrução e julgamento, será feita por mandado sucinto que, será acompanhado da segunda via da
representação e da denúncia.
Art. 18. As testemunhas
de acusação e defesa poderão ser apresentada em juízo, independentemente de intimação.
Parágrafo único. Não serão deferidos pedidos de precatória para a audiência ou a
intimação de testemunhas ou, salvo o caso previsto no artigo 14, letra
"b", requerimentos para a realização de diligências, perícias ou
exames, a não ser que o Juiz, em despacho motivado, considere indispensáveis
tais providências.
Art. 19. A hora marcada, o Juiz mandará que o
porteiro dos auditórios ou o oficial de justiça declare aberta a audiência,
apregoando em seguida o réu, as testemunhas, o perito, o representante do
Ministério Público ou o advogado que tenha subscrito a queixa e o advogado ou
defensor do réu.
Parágrafo único. A audiência somente deixará de realizar-se se ausente o
Juiz.
Art. 20. Se até meia hora depois da hora marcada
o Juiz não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o
ocorrido constar do livro de termos de audiência.
Art. 21. A audiência de instrução e julgamento
será pública, se contrariamente não dispuser o Juiz, e realizar-se-á em dia
útil, entre 10 e 18 horas, na sede
do Juízo ou, excepcionalmente, no local que o Juiz designar.
Art. 22. Aberta a audiência o Juiz fará a
qualificação e o interrogatório do réu, se estiver presente.
Parágrafo único. Não comparecendo o réu nem seu
advogado, o Juiz nomeará imediatamente defensor
para funcionar na audiência e nos ulteriores termos do processo.
Art. 23. Depois de ouvidas as testemunhas e o
perito, o Juiz dará a palavra sucessivamente, ao Ministério Público ou ao
advogado que houver subscrito a queixa e ao advogado ou defensor do réu, pelo
prazo de 15 minutos para cada um, prorrogável por mais 10, a critério do Juiz.
Art. 24. Encerrado o debate, o Juiz proferirá
imediatamente a sentença.
Art. 25. Do ocorrido na audiência o escrivão
lavrará no livro próprio, ditado pelo Juiz, termo que conterá, em resumo, os
depoimentos e as alegações da acusação e da defesa, os requerimentos e, por
extenso, os despachos e a sentença.
Art. 26. Subscreverão o termo o Juiz, o
representante do Ministério Público ou o advogado que houver subscrito a
queixa, o advogado ou defensor do réu e o escrivão.
Art. 27. Nas comarcas onde os meios de transporte forem difíceis
e não permitirem a observância dos prazos fixados nesta lei, o juiz poderá
aumentá-las, sempre motivadamente,
até o dobro.
Art. 28. Nos casos omissos, serão aplicáveis as
normas do CPP, sempre que compatíveis com o sistema de instrução e julgamento
regulado por esta lei.
Parágrafo único. Das decisões, despachos e
sentenças, caberão os recursos e apelações previstas no Código de
Processo Penal.